sexta-feira, 19 de março de 2010

'Roko-Loko e Adrina-Lina - Hey ho, Let's Go!'

'Roko-Loko e Adrina-Lina - Hey ho, Let's Go!' é a mais nova coletânea de quadrinhos curtos de Marcio Baraldi, publicados originalmente na revista Rock Brigade, entre 2004 e 2006. O livro - 12º da carreira - tem 50 páginas coloridas em formato grande, capa cartonada ao preço módico de R$ 10, com direito a miolo em papel couché. O lançamento é da editora GRRR!... (Gibi Raivoso, Radical e Revolucionário!, selo criado pelo próprio Baraldi) e da Rock Brigade, mas ainda traz uma página que associa a trajetória do Baraldão à editora que o apoiou durante anos: a Opera Graphica. O álbum (e os bonecos derivados da série Roko Loko) podem ser adquiridos através do endereço eletrônico http://www.idealshop.com.br/baraldi

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O cara

As obras de mestres que já conseguiram garantir seu lugar definitivo na história da nona arte, como Cocco Bill de Jacovitti, 300, de Frank Miller e El Eternauta, de Héctor Germán Oesterheld, no geral, são analisadas por cronistas de forma muito concêntrica: quase sempre, os pontos altos destacados são os mesmos. No caso de Baraldi, acontece o contrário: gente bacana, atenta e que entende do riscado sempre vai apontando vários detalhes e nuances diferentes de suas criações.

Outro detalhe é a forte presença de Marcio Baraldi como pessoa única, que acredita no que faz, e se afirma co
m uma força incrível, ao defender seu trabalho, inclusive usando imagens promocionais como esta aí de cima, que dá uma imagem parcial de sua pessoa. Não dá para se alongar muito numa resenha, mas quem pesquisar a vida do nosso autor, vai perceber o quanto a postura de Baraldi, de ser o (aspas) 'melh
or marketeiro de si mesmo do quadrinho nacional' é fruto de uma história de muita superação e afirmação. O melhor retrato dessa vida está num veículo de papel (que não tem versão online): a revista Graphiq . Online, sugerimos uma anti-entrevista dele comigo, em vídeo.

Dificilmente, alguém resenha um livro dele sem se referir a esse caráter marcante. O que importa ressaltar é que essa garra gera um artista que - como nenhum outro, no Brasil - vai atrás do olho-no-olho do leitor, do tal de feedback. Como não temos, ainda, no Brasil, um calendário constante de festivais onde os artistas interagem com o público, Baraldi faz de suas andanças seu próprio festival.

Mas é preciso sublinhar o Baraldi quase sempre esquecido: ele é dos raríssimos nonoartistas que já têm em casa um Prêmio Vladimir Herzog, foi o quadrinhista escolhido pela melhor revista espírita do Brasil para ilustrar o adeus a esse gigante da sensibilidade pátria que foi Chico Xavier e é autor das ilustrações de 4 livros por uma editora que é sinônimo de cuidado: a Salesiana. Dois deles são emblemáticos do humanismo que habita o coração do Baraldão: 'Cultura de Paz', que 'mostra que é possível construir a paz a partir de posturas simples' e tem a organização do CONIC e 'Geopolítica: O Mundo em Conflito', de autoria de Igor Fuser, na minha opinião, um dos mais brilhantes cérebros da geração de estudantes que reconstruíram a UNE. O biografema se completa ao registarmos que - depois de 23 anos de carreira - Baraldi bate ponto num sindicato de trabalhadores, no centro nervoso de São Paulo, sempre atento a como melhor deslindar os excessos da 'nossa' classe dominante.

A obra

Mais uma vez, Baraldi teve o cuidado (e esforço) de reunir variados depoimentos, para ajudar a situar a sua produção. Num dos textos, encontramos a comparação do editor da (saudosa) Opera Graphica, o mestre Franco de Rosa, chamando o Marcio de 'Carl Barks do quadrinho despachado'. Tomo o despachado aqui em outro e bom sentido: a do artista cujas ideias fervilham, borbulham, brotam em revoadas. Mas essas ideias são lapidadas com mão de quem conhece bem o ofício.

Para expor suas ideias únicas, Baraldi acrescenta um vasto repertório técnico. Começamos pelo mais difícil: o uso da cor. Claro, cores fortes, rock-n'roll e alegremente vistosas, mas com um senso de dosagem que não é nada comum: em momento nenhum, a explosão visual 'briga' com as estórias. O mesmo, em linhas gerais, podemos (e devemos) dizer do letreiramento, outra gama de técnicas e possibilidades que o artista usa e (não) abusa. O trabalho no item letras é completado com distinção nos títulos das HQs e nas onomatopeias. O desenho merece atenção na capacidade de variações. Olhando atentamente, há personagens inteiros que parecem não ter sido traçados pela mesma mão.

Pois bem, o Baraldi colorista, desenhista, arte-finalista e titulador se completa - mesmo - em sua essência, quando se funde com o narrador. O cara que escolhe o que (e o que não) mostrar, como, e em que ritmo. Baraldão pega situações muito particulares de um determinado grupo social e as mostra com tanta propriedade que imediatamente damos (em nossa mente, certo?) 'carne' a bandas e artistas que às vezes são apenas - para muitos leitores - referenciados em notas curtas de noticiários. Uma lição fundamental, já que o artista se propõe a divulgar o rock nacional, assume essa bandeira e nos convence de uma forma muito capaz e às vezes, insinuantemente insolerte. Cuidado com os muitos e bem aplicados 'cacos' que incluem um Napoelão doidão, velas e caveiras de todos os tamanhos e muito mais. Esses cacos ficam mesmo 'espetados' na memória...

Onde nosso artista escorrega: num ou noutro trocadilho, e, na boa, o álbum precisava ter a indicação, clara, na capa, de que não é leitura 'para crianças'. Uma sugestão é que o Baraldi tente usar mais vezes o espaço em branco em volta da ação, para alterar o ritmo (onde o fez, fez legal...), Para os muitos amigos mais fiéis, fica a sugestão de usar a página 41 (onde está a HQ de uma página só 'Eu Apóio o Metal Nacional) como poster dos rockeiros. Lá, também (aspas), 'de graça', o último quadrinho dá um excelente button...

Mas o melhor está no final, onde são publicadas tiras, quase todas, de 3 quadrinhos: as duas últimas tiras são excepcionais mostras de ritmo e originalidade. Daquelas que 'incomodam' quando a gente fica tentando imaginar o que mais inventar no formato tiras. Baraldi não só inventa como arrebenta...

Como todo bom quadrinho, Roko Loko não vai te largar quando você o depositar em sua estante. Ele vai te fazer pensar, lembrar e rir muito tempo depois...

As extensões pra frente

Não seria justo fechar sem mencionar que o Baraldi é dos caras que ajuda a classe a se ver, se fortalecer e se pensar. Ele promove premiações, entrevistas e muito mais, levantando a bola dos outros, em bem da Nona Arte, no geral, quase sempre, publicando conteúdo a respeito no site Bigorna. Não por acaso, artistas como Mozart Couto comparecem no álbum com desenhos como esse aí de cima, incluído no álbum.
Ah, se todo 'marketeiro' fosse assim...

domingo, 14 de março de 2010

Reinhard Kleist na Ilha revolucionária

Uma das coisas boas que a Internet propicia é acelerar a difusão de novas criações que dificilmente 'interessam' a quem detem os meios de in-comunicação tradicionais. Nas artes em geral, e nos quadrinhos, em particular, o contato translateral continuado tem permitido que muitos artistas bons sejam publicados no Brasil, como é o caso de Reinhard Kleist, que teve seu 'Cash - I See a Darkness' publicado pela 8Inverso, editora nova de Porto Alegre (onde esteve para uma oficina, em 2009). No mesmo giro pelo Brasil, ele foi artista convidado da última edição do grande festival de quadrinhos, o FIQ BH.

A notícia da nova obra do quadrinhista alemão pode partir de um texto de uma fonte muito bem referenciada: o Instituto Goethe, sobre 'Havanna'

Aventura, um país fascinante para viajar, jogo do azar e fracassos: é isso que Kleist associava com o país revolucionário Cuba e o seu líder político carismático Fidel Castro. Em março de 2008, a curiosidade levou o quadrinhista a passar um mês na ilha, pois ele queria formar uma opinião própria sobre o país e os seus habitantes. Kleist consegue captar o clima nas ruas de Havana e a situação de vida da população rural em esboços, ilustrações pitorescas e episódios em quadrinhos. 'Havanna - Eine Kubanische Reise' (Havana - uma Viagem Cubana, 2008) é um relato de viagem biográfico marcado pelas impressões subjetivas do quadrinhista.

Parece que o artista da 'sofisticada arquitetura das páginas' ficou mesmo muito impressionado com o que viu na Ilha. A editora alemã de quadrinhos Carlsen - que brinda seus leitores com obras de mestres modernos da nona arte como Régis Loisel, Gradimir Smudja, Yslaire, Craig Thompson e Shaun Tan e de autores que renovaram a cena alemã, como Flix e Isabel Kreitz - publica este mês 'Castro', obra de 216 páginas em capa dura na qual Kleist se baseia na autobiografia de Fidel. Nós ainda não tivemos acesso ao volume. Mas se ele somente 'repetir' páginas primorosas como as desta galeria, de seu 'Havanna', já terá contribuído para firmar seu nome na lista definitiva de melhores autores desta (rica) década para os quadrinhos mundiais. E ajudado a mostrar mais faces do povo e da história de Cuba...

Por outro lado, vamos acreditar que foi só 'por que não havia Internet', que demoramos 40 anos para ver publicada no Brasil a única obra da história pela qual um quadrinhista foi assassinado (junto com 4 filhas suas). Exatamente, 'Che', de Héctor Germán Oesterheld e Enrique e Alberto Breccia, obra com a qual começou toda a iconografia de Che Guevara.

Um registro importante sobre a obra: como noticiam os colegas do Portal Imprensa, pode ser que em breve, os democratas da América Latina possam desenterrar do armário da memória a frase: 'a justiça tarda mas não falha'.